O cristianismo que se torna relevante culturalmente é aquele que é
vivido de fato. Na vida individual dos milhões de cristãos de um país,
na vida das famílias cristãs, nas comunidades, nas igrejas, até chegar
ao grande debate político e cultural, à Academia, até, por fim,
tornar-se uma força transformadora onde os rumos de uma nação são
decididos. Assim surgiu o mundo ocidental, ainda que com seus muitos
conflitos e problemas, e assim surgiu a velha e gloriosa Europa cristã,
onde as artes, a música, a grande literatura, e a ciência moderna
floresceram. A Europa de Shakespeare e Bach, Dante e Dürer, Leibniz e
Kepler. O segredo: a profunda influência da cosmovisão cristã na
cultura.
E por que falar disso? Ora, estamos no Brasil, e acabou de sair o
Censo 2010 do IBGE, com informações sobre o segundo maior país cristão
do mundo. Sim, e um dos mais violentos, constando no ‘Top 20’. O pior
nos exames internacionais de educação. Um país alinhado em sua política
externa com o Eixo do Mal: Irã, Venezuela, Cuba, etc. Um país com
péssima colocação em liberdade econômica, em qualidade de modelo
institucional, e despontando nos índices de corrupção. Com um mínimo de
vergonha na cara, cabe aos cristãos brasileiros perguntarem a si mesmos:
que cristianismo de araque é esse o nosso?
Penso que vale um autoexame com algumas questões. Qual é o real
conteúdo da nossa fé? Qual a real força dessa fé? E, por último, mas não
menos importante: quão central é na vida dos brasileiros que se dizem
cristãos esta fé? A centralidade desta fé diz respeito ao quanto as
convicções a ela ligadas são decisivas para dar suporte a outras e para
modelar a cosmovisão pessoal, sobretudo nas grandes questões
existenciais: a natureza da verdade, o caráter de Deus, a estrutura da
realidade imanente e transcendente, o reconhecimento de aspectos
fundamentais da condição humana, e então, daí, para os grandes temas
sociais e contemporâneos. Com isso em mente, podemos perguntar: “sou
cristão, mas até que ponto?”
Refletir sobre o conteúdo real de sua fé pode levar a pessoa a
perceber que, ainda que siga uma denominação cristã, ainda que se sinta
alinhado com certas correntes teológicas e filosóficas, no fundo, crê de
forma meramente parecida e ainda viva de forma totalmente dissonante
com o que profere publicamente. Realmente creio como os grandes sábios,
mártires, teólogos e heróis da fé criam? Até que ponto vivo conforme
creio? Ou apenas creio conforme vivo? Crer conforme vive talvez seja a
descrição mais perfeita do idiota, do filisteu, do homem-massa, do novo
bárbaro, e dos portadores do “eu vazio” (ver a obra de Phillip Cushman),
essa epidemia dos nossos tempos e, infelizmente, de nossas igrejas.
A força da fé não é menos importante, e parece que é o principal alvo
de ataque dos secularistas, sejam eles defensores das modernas
ideologias de massa, sejam os pseudo-cristãos adeptos do liberalismo
teológico em suas mais diversas vertentes. Até que ponto você crê que
milagres são possíveis? O quão à vontade e convicto você se sente para
declarar publicamente que você acredita, sim, piamente, que Adão e Eva
de fato existiram (como Jesus afirmou), que Ele, Jesus, nasceu de uma
virgem e que, de fato, ressuscitou ao terceiro dia e subiu aos céus?
Como bem observa J. P. Moreland, de quem faço uso da obra O Triângulo do Reino
para tratar destes três aspectos da fé: “Quanto mais você está certo de
uma crença, mais ela passa a ser parte de sua alma, e mais você conta
com ela como base para sua ação”. Daí se vê também a importância do
trabalho e da instrução apologética, que tem sido negligenciado nas
igrejas (e daí o imenso número de jovens cristãos que largam a fé assim
que adentram as Universidades) e corrompido na internet.
A verdade é que é altamente problemático tratar dessas questões num
país que vive uma derrocada cultural sem precedentes, pois este caos
adentrou as igrejas, muitas vezes adornado de bela roupagem
pseudoteológica, ou mesmo travestido de piedade, devoção e consagração. O
fato é que não temos mais a antiga visão cristã do que é o
conhecimento. Ou, se a temos, não a ensinamos, nem a vivemos. É preciso
recuperá-la para logo compreender que o crescimento espiritual e o
crescimento intelectual andam juntos, um fortalecendo o outro. Avivando,
e gerando talentos. Trazendo renovo para a cultura e restauração às
almas.
Sem esse crescimento integral, o segundo maior país cristão do mundo
continuará sendo uma vergonha para o cristianismo a cada índice
internacional que for divulgado.
(Imagem: ‘Adão e Eva’, ou ‘A Queda do Homem’, gravura de Albrecht Dürer, 1504).
Um comentário:
Parabéns pelo texto. É exatamente o que a grande maioria dos "cristãos" brasileiros precisam que ouvir...
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