quinta-feira, 27 de abril de 2006

Sede de excelência

O profeta Daniel, em sua juventude, não só resolveu não se contaminar com as finas iguarias do rei, como também não comeu do pão da preguiça. Pois não foi à-toa que entre os eruditos jovens de Judá, quando o reino estava sob jugo babilônico, lá estava Daniel, aprovado no “vestibular” do rei Nabucodonozor. Ali chegou mostrando que até se alimentar melhor que os outros jovens escolhidos ele sabia. Quanto à sabedoria e o conhecimento, o próprio Aspenaz considerou Daniel e seus amigos “apenas” dez vezes mais sábios que os magos e encantadores da Babilônia.

Percebo com isso que a fidelidade de Daniel a Deus, louvável durante sua exemplar trajetória, começou muito antes, com um forte anseio de dar o melhor de si em tudo, com o simples objetivo de glorificar o nome do Deus de Judá em cada circunstância de sua vida. Ousado, disciplinado, sensível às revelações de Deus e com uma superioridade intelectual e espiritual que em seu semblante acabou por tornar-se notória, vide o episódio da escolha de sua dieta.

Desnecessário é dizer que Daniel deve ser um exemplo de conduta para a vida de todos os cristãos - num tempo em que a palavra ‘excelência’ deixou de ser valorizada. Tempo no qual se vê os que deveriam ser mestres na Palavra “dando na trave” em sermões, servos desleixados nas igrejas, músicos pífios e ministros imaturos conduzindo o louvor e a adoração e a mediocridade prevalecendo em várias áreas da nossa própria vida.

Verdade é: Aspenaz, eunuco de Nabucodonozor, escolheu os melhores. Já Jesus escolheu para seus discípulos - que mais tarde se tornaram os grandes líderes da igreja primitiva - jovens simplórios, néscios e birrentos. Não há problema nenhum em ser como eram os recém-escolhidos discípulos de Jesus. O que não se pode é permanecer assim por toda a vida, em tantas áreas. A vida dos apóstolos e a de Daniel devem inspirar cada cristão a ter sede de dar o melhor de si em todas as coisas, para que o Reino cresça e que, repletos da sabedoria vinda do alto e sem o cheiro da carne em nós, fechemos as bocas dos leões da Babilônia moderna.

terça-feira, 18 de abril de 2006

Agitação política e miséria espiritual

Um dos clichês presentes na ponta da língua de ateus peso-pena (99% dos casos) é o de que a fé no sobrenatural e em verdades absolutas constitui uma fuga da realidade, uma muleta para almas fracas. Na Academia muito se fala também que o estabelecimento e a defesa da verdade e da fé não passam de estratégia para fazer com que homens se submetam a outros. É comum ouvir os tais intelectuais tagarelarem o que Michel Foucault afirmou em seu Microfísica do Poder:

A "verdade" está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem. "Regime" da verdade.

Logo adiante declara:

O problema político essencial para o intelectual não é criticar os conteúdos ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científica seja acompanhada por uma ideologia justa; mas saber se é possível constituir uma nova política da verdade. O problema não é mudar a "consciência" das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade.

Não se trata de libertar a verdade de todo o sistema de poder – o que seria quimérico, na medida em que a própria verdade é poder – mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior nas quais ela funciona no momento.

Para o Foucault, que morreu de Aids - deveria pensar que a existência do HIV não passava de um discurso do moralismo capitalista para dominar e reprimir as pessoas - a verdade, que ele fez tanta questão de pô-la sempre entre aspas, crendo que a inexistência dela fosse, uma... verdade, existia apenas como instrumento de dominação, de poder, para a implantação de hierarquias e regimes. Uma mera ferramenta criada pelos homens repletos da libido dominandi da qual falava Hobbes.

Jovens mais preocupados em "sair na balada" e "ficar" com a gatinha certa, ao entrar em contato com tais teses, logo aprendem a papagaiá-las – sempre prontos que estão a absorver qualquer coisa que dê certa consistência ao "faço faculdade". De fato, nada mais justo que consagrar a mesa de bar como o local mais apropriado para a livre circulação das idéias de Foucault.

No entanto, sem a verdade o homem não vive. E com o sufocante vácuo espiritual contemporâneo, as pessoas
não só passam a acreditar que a solução para suas vidas é ingressar na igreja Jedi ou na do deus Maradona, como se apegam a preceitos como o de Foucault e à infinita cadeia – não há termo mais preciso - de reivindicacionalismos que ele suscita. Assim a agitação política passa a ser o diclofenaco psíquico dos que não reconhecem a veracidade (como poderiam?) da máxima de Spinoza: sentimos e experimentamos que somos eternos.

Não há fuga maior da patente realidade espiritual do que restringir toda a missão dos homens na Terra à esfera sócio-cósmica. Aí está a essência do velho gnosticismo do início da era cristã. Eis a força motriz das ideologias totalitárias modernas. Sem dúvida, uma das mais eficazes ferramentas na mão do diabo atualmente e que pode funcionar mesmo para os cristãos. Quem dá testemunho disso é o demônio Screwtape, da ficção de C.S. Lewis Cartas do Inferno:

Uma vez providenciado para que encontros, panfletos, políticas, movimentos, causas e cruzadas comecem a ter muito mais importância para ele do que as orações, ordenanças e a caridade, ele é nosso e quanto mais religioso (nestes termos) ele for, mais seguramente nosso ele se tornará. Eu poderia mostrar a você uma gaiola cheia desse tipo de almas aqui embaixo.

Que o cristão fique atento para que também não caia nessa armadilha. Alguns não só já caíram nela como a transformaram em "teologia" e em balizas para suas missiologias. Outros não chegaram a tanto, mas sem querer, acabam contribuindo para a politização de todos os aspectos da vida e das atividades da Igreja de Cristo, lamentavelmente.

terça-feira, 11 de abril de 2006

Exercícios espirituais


Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina
I Carta de Paulo à Timóteo cap. 4, ver.16

Quantas coisas há para desviar a atenção daquele que valoriza a proximidade com Deus! As notícias – todas parecem importantíssimas; os anúncios – tentando incutir mais desejo, mais ambição, mais inquietação; as causas – todas parecendo tão nobres e justas; as inúmeras opções da indústria do entretenimento – eis o amigo ao telefone, convidando para assistir tal filme, tal disputa, ou para saborear tal prato ou bebida... Sem falar nos sonhos, projetos, o casamento, a família, os estudos, os trabalhos e os gostos, os hobbies... Na agitação da vida na metrópole, ainda que não seja numa das maiores, a busca daquele tempo interior, daquele momento no qual a alma pode se aquietar para buscar a presença de Deus e ouvir Sua voz acaba por se tornar um grande desafio, uma árdua batalha.

Oração, meditação, estudo da Bíblia, reflexão sobre os acontecimentos e sobre suas próprias atitudes, a contemplação daquilo que Deus fez e do que Ele tem feito: sem momentos de tempo e silêncio, esses exercícios espirituais, que, segundo o apóstolo Paulo, são muito mais proveitosos do qualquer outro exercício, se inviabilizam. Com o tempo a alma sente o desgaste, fica “fora de forma” e esse constante nado contra a corrente torna-se mais difícil. O risco de se deixar levar pela águas é crescente – estas encontram-se cada vez mais turvas, agitadas, poluídas e caudalosas.

Pobre da pessoa que, por alguma razão, deixa de praticar os exercícios espirituais a contento. Pior para aquela que nem falta deles sente, enredada pelas distrações mundanas ou por suas próprias fraquezas interiores. Não abrir mão desses instantes preciosos e manter-se vigilante durante o dia-a-dia, alerta para o que acontece ao nosso redor e em nosso coração (quem já não acordou repleto da alegria dEle e acabou o dia com a alma aos trapos?) não constitui excentricidade, luxo ou frescura; é cuidar de si próprio, é valorizar a própria vida, pois grande nuvem de testemunhas rodeia o discípulo de Jesus.