“Não sentir a putrefação do mundo moderno é sintoma de contágio.”
Nicolás Gómez Dávila
A chamada guerra cultural é um fato latente de nosso tempo que nenhum
cristão maduro pode deixar de levar em conta se almeja entender os
atuas fenômenos culturais e políticos. O termo “disputa por corações e
mentes” remete a Guerra Fria, mais ainda serve para evocar uma realidade
que se tornou nas últimas duas décadas ainda mais complexa do que
aquela em que apenas dois pólos se opunham. Intelectuais agindo em redes
organizadas, próximos ao centros de poder e de divulgação de
informações para as massas têm definido não só os temas a serem
debatidos, mas principalmente os termos nos quais se deve-se debater
questões políticos e culturais decisivas.
O boicote e as ameaças que cientistas que se recusaram endossar a
tese do “aquecimento global” sofreram são provas claras que certos
grupos não descartam recorrer à chantagem e a métodos escusos para
modelar, mais do que a opinião pública por alguns meses, o imaginário
coletivo por décadas.
Ainda se vive a era das ideologias coletivistas de massa, frutos
podres do racionalismo iluminista que descabaram na palhaçada
epistemológica chamada “pós-modernidade”. Num país como o Brasil, em que
o contraponto à ideologia socialista, suas variantes e sub-ideologias
de apoio é mínimo nos meios de comunicação de massa, penso que aprender
com quem dedicou boa parte de sua vida para entender profundamente o
problema das ideologias modernas é algo não só oportuno como necessário.
Um dos maiores nomes da filosofia política em nossa época, Eric
Voegelin (1901-1985), é autor de uma obra que requer muitas linhas para
que se possa dar uma ideia da grandeza e riqueza de seu trabalho. Da
alienação do homem de si mesmo à revolta gnóstica contra a ordem da
realidade, passando pela observação da desordem espiritual e cultural
que permite a ascensão das ideologias ao debate público, os pareceres
de Eric Voegelin sobre o problema são riquíssimos e úteis aos cristãos.
Não por Voegelin ser um homem cristão – não era, o que a influência do
teólogo liberal Rudolf Bultmann evidencia, e muitos dos seus pareceres
sobre as Escrituras e sobre o apóstolo Paulo deixam explícitos - mas
por entender, conforme afirma em suas Reflexões Autobiográficas, que só à
luz do legado intelectual clássico e cristão seria possível analisar e
julgar com clareza e seriedade as ideologias de massa.
Nesta obra, editada por seu aluno Ellis Sandoz, Voegelin fala de sua
trajetória intelectual, de episódios como a fuga da Áustria após o Anschluss, a invasão
nazista ao país, de seus livros, suas leituras e faz comentários à
obras de autores que marcaram e influenciaram suas pesquisas e
filosofia. A certa altura, ele dá três motivos pelos quais odiava toda e
qualquer ideologia. (É importante não confundir ideologia com
cosmovisão. Todos tem uma cosmovisão, mas nem todos padecem do apego à
uma ideologia. A confusão dos termos é algo típico da cultura marxista.)
O primeiro motivo pelo qual Voegelin odiava as ideologias era que
estas “constróem edifícios intelectualmente insustentáveis”. Citando o
marxismo, o positivismo e o nacional-socialismo, o filósofo lembra que
há bibliografia farta destruindo os postulados destas ideologias, e
sentenciava: “se, mesmo assim, um indivíduo opta por aderir a uma delas,
impõe-se de imediato a suposição de sua desonestidade intelectual”.
Questionava-se por que pessoas honestas nos seus afazeres diários cediam
à tal espécie de desonestidade assim que começassem a discutir assuntos
científicos.
Segundo motivo do ódio de Voegelin às ideologias: “tenho repulsa ao
morticínio de humanos por diversão”. E comenta: “anos de ampla
investigação lançaram alguma luz sobre o assunto. A brincadeira consiste
em conquistar uma pseudo-identidade com a afirmação do próprio poder, o
que se faz preferencialmente matando alguém, e esta pseudo-identidade
passa a servir de subsituta ao ego humano que se perdeu”. Lembrei de
Raskholnikov, do romance Crime e Castigo, de Dostoyevsky, imediatamente.
E dos mais de 100 milhões de mortos pelo socialismo no último século.
O terceiro motivo surge com mais frequência no debate político:
Voegelin afirma que “se há algo característico dos ideólogos é a
destruição da linguagem, ora no nível do jargão intelectual de alto grau
de complexidade, ora no nível vulgar”. Com uma vida filosófica pautada
pela honestidade intelectual – qualidade que um de seus mestres, Max
Weber, sempre destacou, Voegelin buscou usar a linguagem com clareza.
Observou que Karl Marx distorcia os conceitos de Hegel de forma tão
notória que os editores de suas obras não podiam se omitir a publicar
notas a respeito, ainda que com certa cautela. No caso de Hegel,
Voegelin conta que muitos trocavam Marx por este autor, cuja obra, por
ser mais complexa, facilitava a ocultação das premissas centrais, que,
uma vez refutadas, lançavam por terra todo o restante do sistema.
No caso do nazismo, Voegelin afirmou que a situação é tão grave que
fica praticamente impossível discutir criticamente a distorção da
linguagem, e seria preciso desenvolver uma filosofia da linguagem para
poder abordar problemas como a simbolização e a perversão desses
dímbolos na ordem vulgar por pessoas brutas, incapazes de entender uma
obra filosófica. Sobre esta tomada do espaço público por pessoas toscas
como Hitler (e a semelhança do caso do Brasil de Lula e Dilma nos serve
de alerta) Eric Voegelin dá seu parecer: “Não podemos encarar com leveza
esses problemas relativos à vulgaridade e à oclocracia. Não podemos
fingir que não existem. São problemas seríssimos, de vida ou morte, pois
os vulgares constroem e dominam a atmosfera intelectual em que a
ascensão ao poder de figuras como Hitler se torna possível”.
Em seguida, culpa atribui a culpa da tragédia alemã aos literatos e
jornalistas, cuja destruição paulatina da língua alemã foi analisada por
Karl Krauss ao longo de 30 anos de edições de seu Die Fackel.
No país da “presidenta”, no qual clichês ideológicos nem são mais
reconhecidos como tal, onde reina o politicamente correto e a língua de
pau – esta em que “se faz desaparecer o ‘eu’ em favor do ‘nós’ que é
fácil opor a ‘eles’” como explicou Vladimir Volkoff, e onde 38% dos
universitários são analfabetos funcionais, fica clara a pertinência das
lições de Voegelin, e a responsabilidade dos cristãos para um despertar
da igreja contra a ideologia socialista. Esta cujos agentes, quando não
tentam perverter a doutrina por meio da falácia hermenêutica e
doutrinária, tentam impor absurdos como o aborto, o “casamento” gay e a
liberalização das drogas, e, como se não bastasse, querem criminalizar a
livre manifestação dos cristãos contra tais aberrações.
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