É fácil estar atento à suposta sofisticação dos mais variados bens de consumo em seus detalhes. Não tenho dúvida de que qualquer cidadão comum conhece ao menos uma pessoa que não dedique grande parte do seu potencial intelectual e cognitivo ao glamour de certos artefatos ou às qualidades de certas tranqueiras criadas para facilitar a vida em algum aspecto.
Quem já perdeu horas assistindo amigos discutindo as proezas de um relógio Tag Heuer, ou dos acessórios opcionais de uma nova motocicleta, sabe de qual espécie de frivolidades e aridez mental me refiro. Não é preciso dizer que, entre cristãos, a coisa toda fica ainda mais ridícula e irritante.
Difícil parece ser, atualmente, imaginar a existência daquelas sutilezas presentes nas mais nobres realizações humanas, advindas dos grandes atributos da imaginação e do pensamento racional saudável, quando este se atém à busca de tudo aquilo que é belo, bom e verdadeiro - e que riqueza alguma compra. Aí está talvez a característica mais notória do filisteu (“o bárbaro imerso na cultura”, segundo Richard Weaver): o deslumbramento por tudo aquilo que facilita a vida do homem, gerando conforto e status, acompanhado da repulsa a toda expressão capaz de clarificar os aspectos mais profundos da condição humana. Quando “bom gosto” e “estilo” se reduzem à mera capacidade de se enquadrar em certos padrões de consumo, os homens já perderam de vista o que, de fato, os torna humanos. O apego ao status e o encanto “coisista” nada mais são do que as preocupações mais básicas e comezinhas, comuns a qualquer animal, numa polaridade distorcida e potencializada.
Esses e outros sintomas de alienação, contudo, não afetam apenas às elites ignaras e os novos ricos opulentos. Tanto o “idiota flamejante” na Mercedes-Benz “com cascata artificial e filhote de jacaré”, do qual falava Nélson Rodrigues, como o pessoal das periferias, sem estudo e entretidos com asneiras proferidas por participantes de reality-shows, estão sempre correndo o risco de dar mais um passo adiante no processo sobre o qual Julian Marías alertava: o cavalo não se descavaliza, mas o homem sim, este pode desumanizar-se.
Weaver também observou que
Uma das mais estranhas disparidades da história é a encontrada entre o sentimento de abundância das sociedades mais antigas e simples e o sentimento de escassez das sociedades atuais, ostensivamente ricas.
E nada pior do que tentar consertar um erro com outro. Qualquer pessoa hoje, enjoada do consumismo abobalhado, logo se torna vítima da “engenharia da culpa” de que as ideologias coletivistas se valem com diabólica habilidade. Reinterpretando a história após evocar antropologias e axiologias auto-indulgentes e falaciosas, estas ideologias têm sido formidáveis incentivadoras de uma desumanização brutal. Otto Maria Carpeaux foi incisivo: “o fascismo propaga-se e vence através das classes médias, das quais é a expressão triunfal”. E fascismo, que fique claro, tem e sempre teve tudo a ver com coletivismo, relativização de valores, revolução, anti-cristianismo e estatismo brutal. Qualquer semelhança com o consenso cultural e político vigente no Brasil de hoje - anticristão e socialista até a medula - não é mera coincidência.
E aí estão, pomposos e melodramáticos, magnatinhas e intelectuais, todos falando em nome do povo, incapazes, porém, de riscar o verniz de suas unhas para ajudar os necessitados sem mostrar suas faces em campanhas com mensagens lacrimogêneas. O cinismo do altruísmo terceirizado (“é função do estado...”) e dessa caridade anunciada aos quatro ventos choca e denota o quão falsificadas estão as virtudes entre os que exercem influência sobre a mentalidade das massas. Que cristãos repitam essas bobagens, isso só evidencia que eles próprios perderam de vista os fatos que a graça comum e a criação divina apontam com tanta clareza, os quais mesmo tantas das melhores cabeças não-cristãs perceberam. Ao cristão, o filistinismo é ainda mais vergonhoso e está se tornando cada vez mais comum. Portanto, a troca do falso pelo verdadeiro é cada vez mais urgente e imprescindível.
Que os filhos do Altíssimo acordem. Que os autênticos detentores da Revelação, resgatados pelo amor de Cristo e então direcionados pelo Espírito Santo para buscar “toda boa dádiva e dom perfeito”, que vem de Deus, parem de viver como filisteus, reflitam, façam jus à sua condição, e ajam. Num tempo de elites bárbaras, em que o sentido de autêntica nobreza simplesmente perdeu-se, vale lembrar sempre: noblesse oblige. A condição de nobreza traz suas obrigações. O cristão reinará com Cristo. Que viva com a honra de um príncipe de um reino que jamais se acabará desde hoje, colocando todas as suas potencialidades a serviço da obra de Deus, e todas as suas convicções em harmonia com Sua Palavra.
C. S. Lewis foi um homem que, com todas as suas falhas, aprendeu que devemos amar a Deus não só com a alma e com todas as nossas forças, mas também com todo o nosso entendimento. Na obra Cristianismo Puro e Simples (Mere Christianity), foi contundente:
Deus não detesta menos os intelectualmente preguiçosos do que qualquer outro tipo de preguiçoso. Se você está pensando em se tornar cristão, eu lhe aviso que estará embarcando em algo que vai ocupar toda a sua pessoa, inclusive seu cérebro.
Sem entendimento, e sem buscar a presença de Deus – pois quem realmente ama sempre quer estar perto - , cristão algum estará à altura da missão que lhe cabe. Estará conformado a este século e, sem contato com a sua Palavra - o Logos, aquele sem o qual “nada do que foi feito se fez”-, não poderá ter “a mente de Cristo” e “andar por modo digno do evangelho”, sendo, de fato, “sal da terra e luz do mundo”.
E o problema todo é muito mais do que simplesmente ministerial, sacerdotal, para cada um dos filhos de Deus. Também é muito mais do que político, econômico, cultural, ideológico ou civilizacional.
São vidas que estão em jogo. E Deus ama essas vidas.
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