Por preço fostes comprados; não vos torneis escravos de homens.
1 Co. 7: 23
Problemas políticos, no fundo, são problemas religiosos e morais.
Russel Kirk
“Quem é livre e pratica um ato livre é quem responde pelo que fez”, afirmava Mário Ferreira dos Santos, que identificava no Renascimento a origem de um conceito abstrato de liberdade que proclamava a irresponsabilidade. Por isso, o filósofo considerava exagerados os elogios que alguns prestavam a esse período da história. Não só a responsabilidade é evocada na afirmação de Mário Ferreira, mas também a racionalidade, que, como ele bem observa nas páginas finais de sua obra Teoria do Conhecimento, é excludente - “ou é... ou não é”. É fácil perceber porque tirania e relativismos morais e epistemológicos sempre andaram juntos.
Aristóteles, cuja filosofia política nada mais é do que uma extensão do estudo da ética e da natureza humana, via as ações humanas livres como aquelas desprovidas de coação e ignorância; sem liberdade da vontade, para agir e para escolher, não há ação moral alguma. Como outros gregos, cria que o homem que conhecesse o bem não poderia deixar de agir de acordo com ele, enunciado que o cristianismo atacou com veemência em sentenças como o franco “se vós, que sois maus” lançado pelo próprio Cristo diretamente aos ouvidos de seus seguidores no Sermão do Monte, e “faço não o bem que quero, mas o mal que não quero fazer, esse faço o tempo todo”, do apóstolo Paulo, presente na carta que é uma das mais importantes e brilhantes sínteses da fé cristã, endereçada à igreja que vivia em Roma.
Portanto, a mais ampla autodeterminação imaginável não deve satisfazer ao cristão como conceito pleno e verdadeiro de liberdade. Tampouco será a ausência de governo que a proporcionará, mas sim o governo certo. Fala-se nessa palavra, “governo”, e já se pensa no governo civil: monarquias, repúblicas, parlamentos, presidentes, etc. Rousas John Rushdoony se lamentava disso, e lembrava que, antes de tudo, governo é auto-governo e que essa associação equivocada bem denotava a mentalidade de uma geração cuja sanha de seu respectivo governo civil era ser a única e suprema forma de governo sobre os homens.
Ao observar a história e se ater às grandes especulações filosóficas sobre o poder temporal, infere-se que boas definições de liberdade política são aquelas que a apontam como resultado da mútua resistência entre forças políticas adversárias (estado versus igreja/religiosos versus intelectuais, por exemplo), ou como fruto de um ambiente no qual valores como a sacralidade da vida, a igualdade jurídica entre os homens e a responsabilidade pessoal estejam firmemente consolidados. Todos estes valores caros aos cristãos, e que geraram ótimos resultados políticos e culturais onde a cristianização das populações foi mais profunda.
Neste sentido, Rushdoony, como profundo conhecedor da cultura e da Bíblia, ainda dizia: “para se ter um governo civil livre é necessário ter em primeiro lugar homens cujo maior desejo é o auto-governo responsável sob Deus”. Outros apologetas da liberdade política que a viram apenas como feliz conseqüência de diversos fatores, seguiram a mesma linha: “quanto maior for o controle dos homens sobre si mesmos, menor será a necessidade de controles externos”. Não espanta que, com sua visão pessimista (muito mais precisa, porém, do que a de muitos cristãos moderninhos) da natureza humana, Hobbes defendia um governo absolutista. Talvez o mais grotesco de seus equívocos foi o de defender o controle despótico justamente de um único... ser humano.
A Bíblia fala que “onde o Espírito de Deus está, aí há liberdade,” - versículo que deve servir de alicerce para toda a construção teórica verdadeiramente cristã sobre política – e que o discípulo de Cristo é “templo do Espírito Santo”. O cristão autêntico sabe sobre o que se funda a liberdade, sabe onde ela começa. “Se o Filho, vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. Não é à-toa que são justamente os cristãos que dão ouvidos a teses que tornam o governo civil mais importante e mais poderoso do que ele realmente deve ser, os mais propensos a abrir mão do padrão de auto-governo exposto nas Escrituras. Então, chamam seus irmãos de legalistas, enquanto defendem os projetos totalitários de incrédulos e escarnecedores. Da mesma forma, quando aderem aos credos da “teologia do processo” e do “teísmo aberto”, a um só tempo relativizam a soberania de Deus e se tornam discípulos diretos ou indiretos de Hegel, coincidentemente, o papa da estatolatria moderna.
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