quinta-feira, 28 de julho de 2005

Sir Silence e um povinho do barulho

Como o silêncio faz bem! Os pensamentos ficam mais claros, mais definidos, quando nada invade nossos ouvidos. Infelizmente, a cultura brasileira não valoriza o silêncio, e a introspecção não é um hábito nosso. Perdemos muito com isso e ficamos superficiais e frívolos. Um povo perigosamente emotivo, com forças reflexivas débeis, com muito mais afinidade com percussão pesada, bumbos, apitos, tamborins e agogôs. Tenho amigos que odeiam o silêncio. Para dormir, ligam a tevê, o aparelho de som, e são sempre os primeiros a dar um grito irônico e impiedosamente estridente quando a conversa pára e todo mundo resolve dar uma epidérmica pensada no que ouviu e disse até então.

Sensuais, vaidosos e dionisíacos a não mais poder, embriagados pelas delícias dos cinco sentidos, eis os brasileiros. Precisam do afago e de beijos para a saudação, do visual impecável (segundo critérios normalmente questionáveis; o"baiano", por exemplo), da decoração da casa toda charmosinha, porém de funcionalidade também questionável. Enfeites que, kitsch ou bem-sacados, abundam em paredes e estantes, dividem espaço com uma enciclopédia velha e jamais lida, alguma literatura de auto-ajuda, uma tevê que quase não é desligada e com um aparelho de som prestes à marcar território assim que o mute do controle remoto do televisor for acionado. Nas festinhas, os dois concorrem entre si, com os gritos da criançada, o sambão de cavalheiros amortecidos pela caipirinha e a balbúrdia promovida pelo animado clube da Luluzinha, que precisa por a fofoca em dia, falar de moda, novela, e do marido de quem não veio.

A sinestesia é fato e todo mundo tem um pouquinho. Então, pode-se identificar até mesmo na "pegada" das cozinhas tapuias, um prazer pelo barulho transposto ao paladar. Sugiro essa associação. Esse apego ao que há de mais picante, de mais in-your-face, a exemplo do que ocorre na visão e no tato. E tome sal grosso no churrasco, tempero forte no marreco (catarinenses, não esqueci de vocês), sem falar nas gorduras pesadas da feijoada, do torresmo e da agressiva pimenta das panelas de Minas e da Bahia.

Para a minoria que sabe do valor do silêncio, porém, as madrugadas são preciosas, exceto as dos finais-de-semana, naturalmente. Nelas, estes afortunados escrevem, lêem, fazem orações e amadurecem idéias. As madrugadas ainda serão consideradas como salvadoras do que ainda há de valor em nossa cultura. Antes do alvorecer, o silêncio passeia livre, acenando cordialmente aos seus apreciadores, sem deixar de presenteá-los e desejar-lhes um novo encontro o mais breve possível. O silêncio acolhe calorosamente quem quer mais de seu intelecto, de sua alma e de seu espírito, com uma ternura que jamais deixa seus admiradores sem preciosas recompensas.

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